sábado, 18 de agosto de 2018

RESENHA DO LIVRO “DOS DELITOS E DAS PENAS”

Nunca uma obra tão antiga continua tão atualizada. Não por falta de evolução, logicamente, da sociedade. Pelo contrário, a sociedade evoluiu e muito durante esses séculos. Séculos? Sim, a obra referida, dos delitos e das penas, vem da tradução do italiano, “dei delitti e delle penne”, foi escrita por Maques de Becaaria na segunda metade do século XVII, dentro de um movimento filosófico e humanitário que se estabelecia na França. Nessa época vários abusos na legislação penal já eram presentes como, por exemplo, penas superiores e terríveis que não correspondiam com os males provocados pelos delitos, em tese, praticados. E contra isso Beccaria se manifestou. Sua ideia se baseava em uma vida mais justa e humana, mesmo em uma seara delicada como a dos crimes e suas penas.

Dos delitos e das penas traz protestos contra a tortura, penas infamantes, degradantes, desigualdades dos castigos impostos. Mostra a inutilidade da pena de morte, ainda hoje tão debatida, como meio de punição. Faz menção aprofundada no que tange a proporcionalidade entre a pena aplicada ao delito que houvera sido praticado. E, mais do que nunca, explicita brilhantemente a separação de poderes, principalmente entre o legislativo e o judiciário. Tudo isso com a ideia central de igualdade, justiça e humanidade dentro de um tema caloroso que são os crimes e suas respectivas penas.

A questão enfrentada, a priori, é das más leis produzidas. Más leis, pois beneficiam a minoria, deixando a maioria claramente a mercê da fraqueza e da miséria. O que defende Beccaria é que somente com boas leis pode transformar essa situação desigual. E já que falamos de leis, lembra-se esse livro da separação de poderes, defendida e demonstrada por Montesquieu. Deixando clara a ideia de que quem legisla é o Poder legislativo e não o Judiciário, para que não houvesse arbitrariedade na feitura das leis e nos julgamentos, onde tais leis eventualmente seriam aplicadas.

As penas surgiram bem como o direito de punir, ou seja, para proteger a sociedade daqueles que transgrediam a expectativa de paz que já se fazia inerente a uma sociedade que pretende viver bem decorrendo a ideia de contrato social. Ocorre que ninguém sacrificaria sua liberdade para visar o interesse público. Logo, para que a grande maioria se sentisse segura houve a necessidade de sacrificar a liberdade de uns para que o resto goze de mais segurança. Ou seja, aquele que quebrasse o contrato social deveria ser punido com a restrição de sua liberdade para manter a paz social.

Diante de tudo isso foram extraídos princípios que existem até hoje. Como o princípio da separação dos poderes. Ou seja, o livro expressa que os delitos e as penas a eles aplicadas somente poderão ser feitos através de lei, e não por ato do Poder Judiciário, por exemplo, estendendo a hoje também ao
Poder Executivo. Além disso, fala do princípio da proporcionalidade entre o delito e o mal que ele causa com a pena aplicada a esse respectivo crime. Hoje muito discutido tal tema e uma inovação legislativa como a lei antidrogas editada em 2006. Onde abrandou certas penas e recrudesceram outros tipos penais considerados mais maléficos à sociedade.

No livro existe a menção da tríade entre acusador, acusado e julgador no conceito de equidistância necessária para que haja a justiça. Deixa clara a obra que toda e qualquer atitude que vai contra a justiça ou ao contrato social, vale dizer, bem estar social deverá ser considerada odiosa e, portanto punida, dentro das vertentes e limites já vistos acima. Os costumes e/ou interpretação das leis, por parte do julgador, é repudiada, pois a lei tem caráter geral e não pode ser interpretada, sob pena de
beneficiar uns em detrimentos de outros.

Portanto, as leis devem ser claras, de caráter geral na destinação, manter a harmonia social, sob a ideia de contrato social. Se houver o delito, a pena a ele aplicada deve estar, tanto quanto ele, previamente descrita e sua aplicação deverão ser proporcional ao potencial lesivo do ato repudiado.  Os poderes não podem se misturar, garantindo assim que não exista arbitrariedade nos julgamentos e na consequente aplicação da lei. O julgamento deve ser claro, com possibilidade de arguição de suspeição de juízes quando assim se faça necessário.

O que fala essas escritas senão dos princípios da legalidade, reserva legal, anterioridade, individualização da pena, separação de poderes, dignidade da pessoa humana, devido processo legal, publicidade... O que há de mais atual que isso? A obra falava disso a séculos atrás. O que não funciona, então? Os homens. O caráter, a corrupção, a visão distorcida pela ganância e a inversão de valores. É isso que não deixa funcionar todo e qualquer sistema.