quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES DE FAMÍLIA

1. Incidências dos instrumentos genéricos da responsabilidade civil nas relações de família. 
Os pressupostos da responsabilidade civil: conduta, culpa, dano e nexo de causalidade (CC 403). Responsabilidade civil como ciência dos danos. Incidência dos instrumentos genéricos da responsabilidade civil nas mais diversas áreas da ciência jurídica: ambiental, consumidor, Administração Pública... Possibilidade de ocorrência de danos na relação de família, reparáveis pelo sistema de responsabilidade civil – STJ, REsp. 37.051/SP. Possibilidade de danos morais e danos materiais. Extensão da responsabilidade civil nas relações de família. Simples violação de um dever familiar (INÁCIO CARVALHO NETO / REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA). Necessidade de caracterização de um ato ilícito (GUSTAVO TEPEDINO / APARECIDA AMARANTE). O simples descumprimento de uma obrigação familiar (ex: adultério) não gera responsabilidade civil.
 “Alega a autora que seu ex-marido, durante a vida comum, manteve relacionamento extraconjugal, daí advindo uma filha e que por isto sofreu humilhação e vexame. As provas negam tal circunstância porque o relacionamento do casal já estava deteriorado nos meses em que o réu já vinha mantendo comunhão com a outra. Para que se possa conceder o dano moral, é preciso mais que um simples rompimento da relação conjugal, mas que um dos cônjuges tenha, efetivamente, submetido o outro a condições humilhantes, vexatórias e que lhe afronte a dignidade, a honra ou o pudor. Não foi o que ocorreu nesta hipótese, porque o relacionamento já estava deteriorado e o rompimento era conseqüência natural. Sentença de improcedência mantida.” (TJ/RJ, Ac.2ª Câm.Cív., ApCív.2000.001.19674, rel. Des. Gustavo Kuhl Leite, j.10.4.01, in RBDFam 32:160).
2. Responsabilidade subjetiva Incidência das regras da responsabilidade civil subjetiva. 
Necessidade de comprovação de culpa. Incompatibilidade do sistema de responsabilidade objetiva (teoria do risco) com as relações de família. 
Art. 927, CC: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” 
3. Extensão da responsabilidade civil nas relações de família Alcance das relações existenciais e patrimoniais.
Ex: negativa do conhecimento de filiação e alienação de bem sem o consentimento do cônjuge. Precedente do STJ (ocultação da verdade quanto à filiação biológica da prole, STJ, REsp. 922.462/SP). Restrição da responsabilização às partes da relação familiar. Impossibilidade de extensão a terceiros. Não elasticidade da função social da família.
STJ, REsp. 922.462/SP: “O ‘cúmplice’ em relacionamento extraconjugal não tem o dever de  reparar por danos morais o marido traído, mesmo que tenha decorrido um filho do relacionamento adúltero, que foi criado pelo casal como se fosse seu filho.” Art. 1.513, CC: “É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família.”
4. A questão da ruptura de noivado (quebra dos esponsais) 
Posição anterior durante a vigência do CC/16 e a posição contemporânea doutrinária e jurisprudencial. Casar é expressão de liberdade. Possibilidade excepcional de danos morais e materiais.
 “CIVIL. ROMPIMENTO DE NOIVADO. ESPONSAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. ATO ILÍCITO. DIREITO À LIBERDADE E À AUTONOMIA DA VONTADE. BOA-FÉ OBJETIVA. DANOS MATERIAIS E MORAIS. DEVERES DOS CÔNJUGES. 1. O ordenamento jurídico pátrio nada dispõe sobre os esponsais, incumbindo à teoria da responsabilidade civil regular eventuais conflitos que se atinam à promessa de casamento. 2. A análise da responsabilidade civil deve perpassar por três elementos. Conduta comissiva ou omissiva de ato ilícito, dano e nexo causal. 3. A ruptura da promessa de casamento, por si só, não configura ato ilícito, pois consiste em expressão do direito fundamental à liberdade e à autonomia da vontade, conforme art. 1.514, 1.535 e 1.538 do diploma civil de 2002. 4. Porém, o direito à liberdade e à autonomia da vontade não configura o único bem jurídico contido na promessa de casamento, devendo ser ponderado, à luz do princípio da boa fé objetiva, com eventuais direitos patrimoniais e morais lesados em razão de seu exercício. 5. O dano material consiste na “lesão concreta que afeta um interesse relativo ao patrimônio da vítima consistente na perda ou deterioração, total ou parcial, dos bens materiais que lhe pertencem”. No caso vertente, presumidas a capacidade civil, a normalidade do estado psíquico e a boa-fé e de ambas as partes, que consentiram, com antecipação, em contrair matrimônio, que não ocorreu em razão de decisão do apelado por motivo de mero desentendimento, inconteste o abuso do direito de liberdade e de autonomia da vontade, e, portanto, a ilicitude do ato do apelado, conforme art. 187 do diploma civil de 2002. Logo, em razão do benefício que ambas as partes iriam obter da festa do casamento e do apartamento em que iriam residir, mister que as despesas referentes ao matrimônio, à sua celebração e à vida conjugal, no período em que houve consenso, sejam compartilhadas entre as partes, sob pena de enriquecimento ilícito do apelado.(...) 9. Deu-se parcial provimento ao apelo, para condenar, com fundamento no princípio da boa-fé objetiva, o recorrido ao pagamento da metade das despesas realizadas para a celebração do casamento e o início da vida conjugal pela apelante. Em razão da procedência parcial do pedido, condenou-se o apelado ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, atentando-se para os preceitos da Lei nº 1.060/50. No restante, manteve- se incólume a r. Sentença.” (TJ/DFT, Ac. 1ªT.Cív., Rec. 2008.05.1.011819-0, rel. Des. Flávio Rostirola, DJU 6.4.10, p. 99).A não caracterização da teoria da perda de uma chance. Pressupostos teóricos. “Impropriedade de pergunta formulada em programa de televisão. Perda da oportunidade. O questionamento, em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade.” (STJ, Ac.unân.4ª T., REsp.788.459/BA, rel. Min. Fernando Gonçalves, j.8.11.05, DJU 13.3.06, p.334). Incidência comedida nas relações de família. A questão da ruptura de noivado como perda de uma chance. 
5. A discussão sobre a negativa de afeto e o dano moral afetivo Posicionamentos doutrinários. 
Argumentos contrários e argumentos favoráveis. Divergência no STJ. 4ª T.: inadmissibilidade (inexigibilidade do afeto) - STJ, REsp.757.411/MG, rel. Min. Fernando Gonçalves e STJ, REsp. 514.350/SP, rel. Min. Aldir Passarinho Jr. 3ª T.: admissibilidade (violação do dever de cuidado) - STJ, REsp. 1.159.242/SP, rel. Min. Nancy Andrighi. 
6. A questão da competência para processar e julgar os pedidos indenizatórios Competência em razão da matéria. Vara de Família. Posição do STJ em relação às matérias familiaristas, independentemente da condição sexual. Competência é da Vara de Família quando a matéria é de família. “(...) 4. Se a prerrogativa de vara privativa é outorgada ao extrato heterossexual da população brasileira, para a solução de determinadas lides, também o será à fração homossexual, assexual ou transexual, e todos os demais grupos representativos de minorias de qualquer natureza que tenham similar demanda. 5. Havendo vara privativa para julgamento de processos de família, esta é competente para apreciar e julgar pedido de reconhecimento e dissolução de união estável homoafetiva, independentemente das limitações inseridas no Código de Organização e Divisão Judiciária local” (STJ, Ac.unân. 3ª T., REsp 1.291.924/RJ, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 28.5.13, DJe 7.6.13) Abrangência nas ações indenizatórias. Analogia com o STF, CC 7204/MG.
7. Cumulabilidade de pedidos (indenização e outros pedidos) 
Regra geral do CPC 292. Art. 292, CPC: “É permitida a cumulação, num único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão. § 1º - São requisitos de admissibilidade da cumulação: I - que os pedidos sejam compatíveis entre si; II - que seja competente para conhecer deles o mesmo juízo; III - que seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento. § 2º - Quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, admitir-se-á a cumulação, se o autor empregar o procedimento ordinário.” Art. 325, novo CPC: “O pedido será alternativo quando, pela natureza da obrigação, o devedor puder cumprir a prestação de mais de um modo. Parágrafo único. Quando, pela lei ou pelo contrato, a escolha couber ao devedor, o juiz lhe assegurará o direito de cumprir a prestação de um ou de outro modo, ainda que o autor não tenha formulado pedido alternativo.” Art. 326, novo CPC: “É lícito formular mais de um pedido em ordem subsidiária, a fim de que o juiz conheça do posterior, quando não acolher o anterior. Parágrafo único. É lícito formular mais de um pedido, alternativamente, para que o juiz acolha um deles”. Art. 327, novo CPC : ”É lícita a cumulação, em um único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão. § 1o São requisitos de admissibilidade da cumulação que: I - os pedidos sejam compatíveis entre si; II - seja competente para conhecer deles o mesmo juízo; III - seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento. § 2o Quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, será admitida a cumulação se o autor empregar o procedimento comum, sem prejuízo do emprego das técnicas processuais diferenciadas previstas nos procedimentos especiais a que se sujeitam um ou mais pedidos cumulados, que não forem incompatíveis com as disposições sobre o procedimento comum. § 3o O inciso I do § 1o não se aplica às cumulações de pedidos de que trata o art. 326.” Possibilidade de cumulação em investigação de paternidade, dissolução de união estável, anulação de casamento e divórcio, por conta de estarem submetidos ao procedimento comum ordinário.O novo CPC e o procedimento especial – nCPC, art. 693-699; Impossibilidade de cumulação de pedido de indenização no Direito de Família em ação alimentos, por conta da especificidade do procedimento da Lei n.5.478/68 – incompatibilidade de procedimentos. Cumulação no divórcio e a possibilidade de tutela antecipatória da parcela incontroversa. A questão da separação? A questão do privilégio de foro da mulher para as ações de separação, divórcio e anulação de casamento quando houver pedido cumulativo de indenização. Superação pelo novo CPC. A questão da existência de interesse de criança ou adolescente. Súmula 383, STJ: “A competência para processar e julgar as ações conexas de interesse de menor é, em princípio, do foro do domicílio do detentor de sua guarda.” A fase de mediação. 
8.  Intervenção do Ministério Público A posição do novo CPC 
(art. 698) em relação à intervenção do Ministério Público nas relações de família. Súmula 99, STJ: “O Ministério Público tem legitimidade para recorrer no processo em que oficiou como fiscal da lei, ainda que não haja recurso da parte.” Liberdade de atuação funcional, com possibilidade de se manifestar contrariamente aos interesses que produziram a sua intervenção (STJ, REsp. 135.744/SP)