quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

As consequências



 É insuportável viver assim… Desculpa, estou mal. Só me resta desvontade, desgosto, desilusão. Ele está fazendo isso comigo, eu não faço nada. – Ele está fazendo!? Há constrangimento? Alguma chantagem que te poderia atingir? A mim me parece tão simples… Sai daí, o mundo te espera de braços abertos. – Mas como? Como vou sair? – Que tal começar deixando de responsabilizá-lo pela tua permanência? Que me dizes de um pequeno apartamento? Em seguida faz as malas, busca a porta, abra-a e a ultrapassa… A vida cá fora te receberá calorosamente, ou, pelo menos, com mais calor do que tens aí.
– Ah, parece tão fácil. Não tenho coragem. Não sou forte. Nunca me acostumei a tomar decisões – Interessante o teu pretexto para ficar: fraqueza. Não há fraqueza. Tudo em ti é vontade forte de ficar. Queres os prazeres do teu desprazer. – Tens razão… Fazendo o jogo do contente. – Olha… Os interesses de ficar são teus…  – Tenho que ter atitude, ainda há tempo de ser feliz,  de sentir o sabor da liberdade. – Pieguice. – Mas não me cobras atitude? – Não, não, não cobro. Contesto-te quando responsabilizas a outro pelo que deixas de fazer. E não te falta atitude. Tomas a atitude de ficar. Ficar onde estás é atitude tua e de mais ninguém.
– Ai! Vou, sim, vou dar um basta nessa vida medíocre, falsa, infeliz que vivo. – É mesmo? Quando? – Segredo: já andei por imobiliárias. Sabes? Minha advogada disse: ele só precisa de uma serviçal para ficar bem… Uma gerente da casa e dos interesses dele. – Imobiliária!? Advogada!? Andas tateando outras circunstâncias, então? Olha, a serviçal da existência do outro: muitos queremos uma, alguns conseguem e não se constrangem em desfrutá-la. E há quem goze no se prestar ao triste papel.
– Rsrs. Não. É que não é mesmo simples. E o apartamento… – Há inúmeros pela cidade. – Rsrs. Mas eu quero um lugar certinho, pronto, me esperando. Não quero qualquer coisa. – Claro, entendo: queres algo difícil de encontrar. Desenhaste um apartamento impossível. Assim, bem, enquanto não o achas, vais ficando, e com um justo motivo para ficar. – Mas estou procurando, já é alguma coisa, não? – Se te convences… – Ai! Vou te contar: já achei, preenchi papéis, inclusive com fiador… – Mas isso é um passo libertário, ainda que retrocedido. – Não era bem o que eu queria. – Tu bem podes criar o teu lugar, se não o achares. – Eu sei, eu sei, só não quero ficar em um lugar ruim.  – Eu imaginava que só não querias ficar onde estás.
– É… Liberdade não tem preço, tenho que ir, bater a porta e pronto. – Em verdade liberdade tem preço, e muita gente se engana atrasando o pagamento. – Mas… – Lembras o Sartre? “Viver é ficar equilibrando entre as escolhas e as consequências”. E as consequências têm custo. – Ai que coisa difícil para mim. – Para todo mundo, não te ponhas como vítima, como se o mundo te tivesse enredado em uma dificuldade particular. – Mas não consigo dar o passo decisivo. – Não dar o passo decisivo é dar o passo decisivo no sentido de tudo ficar como está.
– Pensando nisso, as consequências… – Não há garantias de serem melhores ou piores. Quero dizer: ficar também tem consequências. Se não largas o que tens, não pegarás mais nada. Não cabe tudo, não é? Estás a repetir tuas exculpações de permanência. – Mas são mesmo tantas coisas. – São? Pois está: faz a lista. – Rsrs. – Viste? Olha, se tens prazer na vida que chamas de medíocre, assume, fica nela. Não serás a única nesse conflito entre o ir e o ficar.
– Fui deixando tempo passar, sem me dar conta. Fico com raiva de mim, agora. Mas agora é tarde para mudar, pelo menos por enquanto… – Por enquanto é tarde? Mais tarde será adequado? Não cabe por enquanto. – Não te preocupes, vou fazer tudo certo. – Não é possível. – Como assim? Não é possível fazer tudo certo. Não há exatidão no futuro. – É que já sei o que quero. – E o que isso muda? É muito pouco; se não for feito valer, é nada. – Quero ir para a praia, agora, nua. Quero o carinho do mar. – O mar te espera, suponho. – Água muito fria. – Há outros desejos para cumprires nua, não? E são intensos, e têm urgência, e querem calor… – Rsrs.

Nenhum comentário:

Postar um comentário